quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O Samba do Crioulo Doido.


Tentar entender a bíblia é, definitivamente, uma tarefa em vão. Embora os cristãos, pelo menos a maioria deles, reajam a esta afirmação com indignação, alegando que a bíblia só pode ser compreendida através da fé, a existência de várias crenças que se baseiam nela, com suas diferentes interpretações, é uma evidência de que, mesmo com o atributo da fé, a bíblia é incompreensível.
Até mesmo a alegação de que a compreensão dos textos bíblicos está condicionada à fé é uma contradição, pois a própria bíblia, em alguns dos seus livros, exalta a sabedoria. E, cá entre nós, não é nada sábio ter que abrir mão da racionabilidade para tentar entender alguma coisa.
 Para termos uma ideia de quão confusa e contraditória a bíblia é, basta analisarmos as características e ações do seu personagem principal, Deus, que ora é onipotente, onipresente e onisciente, ora não.
As suas características de onisciência e onipresença já são postas em dúvida nos primeiros versículos do livro de Gênesis, pois ele demonstra não ter conhecimento algum de que a sua principal obra, a criação do mundo, não daria certo. Além de demonstrar também não ter conhecimento de que, ao criar os seus anjos, estaria criando um que se rebelaria contra ele e tentaria destruir a sua obra. Afinal, onde estava ele enquanto o diabo tramava e convencia legiões de anjos a aderirem à sua grande rebelião?

As repetições da frase “e viu Deus que era bom”, após a conclusão de alguns feitos, demonstra que Deus não sabe se algo será bom ou ruim, até que o finalize. Portanto, não é onisciente.

Algumas passagens bíblicas mostram que Deus não é onipresente. Vejamos algumas.

- Gênesis 11:5 - “Então desceu o SENHOR para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam.” – Nota-se, aqui, que Deus precisou descer à terra para ver a cidade, portanto ele não está presente em todos os lugares ao mesmo tempo.

- Jó 1:7 – “Então o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao SENHOR, e disse: De rodear a terra, e passear por ela.” Se Satanás precisou sair da terra para ir ao lugar onde Deus estava, conclui-se que Deus não estava na terra.

- Mateus 18.20 – “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” Ou seja, em situações onde haja menos de duas pessoas, Deus não está presente.

Algumas passagens também contrariam a onipotência e a infalibilidade de Deus. O fato de existirem pessoas más no mundo atual, apesar de Deus, na tentativa de acabar com a maldade no mundo, ter levado quase toda a humanidade ao extermínio com um suposto dilúvio, mostra que Deus não tem o controle do que faz, portanto é falho.

Outro fato que aponta uma grande falha de Deus é a promessa de dar uma terra cheia de maravilhas ao povo de Israel, quando, na realidade, teria dado uma área cheia de conflitos e terras áridas. Foi necessário muito esforço para desenvolver agricultura em Israel, devido à escassez de terras férteis. A propósito, não se sabe onde foram parar as parreiras que, segundo a bíblia, produziam cachos tão pesados que exigiam a força de  dois homens para serem transportados. Aliás, vale lembrar que a terra não foi dada por deus, de acordo com o relato bíblico ela teve que ser conquistada com muita luta e sangue derramado.

Algo que também causa estranheza e, consequentemente, impossibilidade de compreensão é o fato de Deus poder fazer algo e, não se sabe o porquê, não fazê-lo. Por exemplo, de acordo com a bíblia, Deus teria “fechado as madres das mulheres” por algumas vezes (como se a esterilidade feminina pudesse ser ligada e desligada através de um botão interruptor), tornando-as estéreis como punição pela desobediência dos homens. Entretanto, não se sabe se por incapacidade ou sadismo, Deus, por exemplo, não tornam estéreis, mesmo que momentaneamente, como na bíblia, as mulheres vítimas de estupros, viciadas em drogas, com a saúde debilitada ou aquelas que residem, e são vítimas, em regiões assoladas pela fome.

Em outra situação, conforme a bíblia, Deus teria matado o filho de Judá, Er, simplesmente porque ele era mau. Ora, se a maldade é um motivo singular para a morte, por que existiram, e existem ainda, tantas pessoas más?

Ainda na mesma linha de raciocínio, não se entende porque Deus optou por utilizar porta-vozes para se comunicar com as pessoas. Se o seu desejo mor é que todos os seres humanos acreditem nele e o adorem, por que ele não fala diretamente a cada um deles? Este simples ato (de justiça, diga-se de passagem) evitaria que ele condenasse e jogasse toneladas e mais toneladas de pessoas no inferno, um lugar de tortura eterna criado por ele para punir as pessoas. Além disso, evitaria ter que amaldiçoar a maioria das pessoas por confiarem no que alguns homens, que elas não conhecem, escreveram em há milênios, pois ele mesmo diz, de acordo com a bíblia, que maldito é o homem que confia em outro homem.

Outra característica muito marcante do deus bíblico é a sua desumanidade, a sua frieza diante do sofrimento das pessoas. Não tenho dados precisos para apontar um número exato, mas posso assegurar que são poucos os livros da bíblia que não narram algum episódio que contenha derramamento de sangue.
De acordo com o que lemos na bíblia, Deus, a fim de por em prática o seu plano de salvar um número insignificante de pessoas (em relação ao grande número das que seriam condenadas), não dá a mínima importância ao rastro de sangue que deixa ao longo de toda a história da humanidade.

Na bíblia, o derramamento de sangue começa nas primeiras páginas do primeiro livro, Gênesis 4.8, e chega a molhar as últimas páginas do último livro, Apocalipse 19.21.

Para os seguidores da bíblia, o homem foi criado semelhante ao seu deus, mas a recíproca parece não ser verdadeira, pois, se fosse semelhante ao homem, Deus não o fadaria a sentir uma dor tão dilacerante, que chega ao mais profundo do seu ser, quanto a dor da perda de um ente querido.

Também não permitiria que certos tipos de doenças recaíssem sobre ele, causando-lhe dores intensas e muito sofrimento, algumas delas atormentando-o por vários anos, até que ele não resista mais e morra.

Se o deus bíblico existisse de fato, e impusesse todas estas coisas à humanidade simplesmente pelo fato de o primeiro casal, supostamente criado por ele, ter desobedecido aos seus mandamentos, ele, ao contrário do que os seus seguidores dizem, seria um ser extremamente injusto, pois estaria condenando bilhões e bilhões de pessoas a pagarem por atos que elas não cometeram.

Embora, se ele realmente existisse, não poderíamos jamais esperar o mínimo de sensibilidade da sua parte, pois, o fato de ele sentenciar um réu que comete um delito passageiro a uma pena com sofrimento eterno, demonstraria que ele não teria o menor senso de justiça.

Ressaltando que, mesmo que Deus, supostamente, tenha vindo à terra como homem, personificado em Jesus, a sua condição humana seria muito diferente da nossa, pois saberia que ele era Deus e teria a consciência de onde teria vindo e para onde iria após a sua morte (supondo que exista vida após a morte), enquanto nós não temos esta consciência.

Enfim, acredito que este enunciado tenha sido suficiente para mostrar que a bíblia é um livro totalmente contraditório e sujeito a várias interpretações diferentes; um verdadeiro samba do crioulo doido. 

Portanto, em minha opinião, é um risco muito grande adotá-la como um guia para nortear as nossas vidas, pois, para aceitá-la como verdadeira, precisaríamos “fechar os olhos” para muitas das suas passagens que mostram o contrário. Isso significa que precisaríamos deixar que a emoção sobrepujasse a nossa razão, e sempre que deixamos isso acontecer, corremos um sério risco de errar.

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